Patrícia Ariel |
Desde que menstruo, o meu ciclo nunca
se apresentou regular. Fui diagnosticada com a síndrome dos ovários
policísticos. O diagnóstico é pessoal, mas meus estudos de dança e do universo
feminino me mostraram que o ciclo regular não é tão comum quanto se imagina.
A maioria das mulheres ou toma pílula
por muuuuito tempo – e essa dose de hormônios cria uma regularidade
artificial - ou então vive
também essa inconstância. Para
mim, e para algumas mulheres que convivo, isso girava frustração. Afinal, consciente da sacralidade do feminino e buscando essa conexão em mim, tinha
que admitir que eu não estava lá muito bem sincronizada com essa energia, pois
meus ciclos não funcionavam de acordo com o ciclo lunar.
Para as tradições do sagrado feminino, o ciclo da Lua é um referente processo
de conexão com a vida, que se repete no corpo da mulher. Então, eu corria para
tentar me encaixar no ciclo de 28 a 30 dias, que é o ciclo lunar, acreditando
que esse era o único ritmo da vida. Eu buscava essa conexão e me frustrava
sempre porque meu corpo se recusava a obedecer a este ideal.
Meu sangue ocorria mais ou menos de 3 em 3 meses, meu ovário sempre foi
policístico, engravidei menstruada, tive um parto fora da data prevista pelo
ultrassom. Enfim, eu não me encaixava nos ideais de regularidade.
Tentei de tudo: de pílula a florais; de dança a meditação; de
emagrecimento a mudanças alimentares e diversos rituais. Resultado? Fiquei 1
ano e meio sem sangrar!
Decidi que não iria mais buscar alternativas, mas
aceitaria essa condição. Mantive porém meu ritual de cuidados femininos, que
incluem: aromaterapia, banhos,
massagens e os exercícios pélvicos na terra. Meu ciclo passou a acontecer em
períodos de 3 a 5 meses, chegando sem avisar, sem tempo para cessar. Aceitei
tudo, tentando ficar livre dos julgamentos.
Nessa época, tive
uma forte dor de cabeça, daquelas penetrantes, que latejam de um lado só das
têmporas (bem sintomática na pré-menstruação). Eu já vinha sofrendo com uma dor
de cabeça regular, mas não notei sua frequência e buscava explicações mentais
para ela: achava que era sono
insuficiente, viagens constantes a São Paulo, mau jeito no corpo, fotosensibilidade
e assim por diante. Todos esses motivos imaginários justificavam um remédio de
relaxamento muscular ou algo assim. E eu me rendia aos analgésicos!
Aquela dor, porém, estava mais
forte, vinha com marteladas latejantes e também com um congestionamento do líquido corporal muito forte (aquela sensação de inchaço que antecede a menstruação,
mas essa era extrema.). Mesmo depois de me medicar a dor persistia,
torturando-me muito. Como eu moro no alto de uma montanha na Serra da
Mantiqueira (SP), fui tomar um banho de cachoeira, e, com à água, aaaahhhh, que alívio...
Saí da água e a dor voltou com a mesma intensidade. No desespero, recorri a
mais algumas práticas; e, como nada dava resultado, procurei um refúgio no alto
de uma montanha e comecei a rezar. Isso mesmo: rezar. Não me dirigi a nenhuma
divindade específica. Lembro-me de sentar e começar a respirar fundo e a conversar
com meu corpo e com a grande fonte da vida, pedindo para saber o que fazer.
Respirando ali, passei a sentir o bombear do meu coração em compasso com a dor
de cabeça. Pensei: "pode ser pressão alta", e fiquei receptiva, sem o
menor controle, sabendo que abaixo do solo em que me sentava corre muita água,
e que isso ajuda as linfas do corpo a fluir também.
Entregue a este processo, notei que a
dor não era mais dor - só pulsação. Sentia meu coração forte e minha cabeça
acompanhando, mas milagrosamente sem dor, sem doooor... Senti um grande alívio.
Permaneci onde estava, curtindo essa sensação.
Finalmente, reparo que TODO o meu corpo pulsava. Era vibrante, intenso,
interessante e muito prazeroso. Enquanto inspirava e expirava, dei-me conta de que meu corpo todo pulsava
porque o que de fato pulsava era a terra embaixo de mim; aquela montanha estava
a todo vapor, estava viva, pulsante e eu a sentia muito claramente! Eu me
encontrava em um estado corporal sensível, mas estava antes desconectada e por
isso havia doído essa pulsão.
Cristina McAllister |
Quando sentei na terra, permiti-me uma
abertura e agora já sentia meu corpo contínuo ao da montanha. E senti, pela
primeira vez, minhas raízes energéticas reais e pulsantes. Elas penetravam na
terra e era como se eu fosse uma das árvores recebendo energia e seiva.
Eu soube naquele instante o que era Ser um corpo
e não ter um corpo. Pela primeira vez, eu estava vivendo a realidade de
meu corpo, eu estava completamente rendida a ele; pela primeira vez, eu
compreendi o que era Ser o corpo, e o que me permitiu isso foi a
rendição a uma dor de cabeça! A
possibilidade de interpretar desse modo o que me acontecia, eu sabia, vinha de
muito tempo atrás. Lembrei-me dos meus estudos do feminino. Especialmente de uma aula com a Layla Elaine
Gimenez (minha
grande iniciadora nos mistérios do feminino, que me iniciou na dança) Nós
estávamos estudando o livro- O Simbolismo do Corpo Humano de Annick de
Suzenelle -, onde havia esta afirmação:
"Quem tem um corpo é um corpo entretido - Quem é o
corpo é o corpo vivido".
Na época, acho que não entendi o significado disso,
mas essa frase
nunca deixou de ressoar em mim. Levei quase 20 anos para que a lição se
tornasse compreensível para mim, para além da mente, mas no
corpo todo. Minha experiência de dor e alívio vivida naquele dia, no topo da
montanha, foi transformadora. Percebi
que, até então, eu tentava estabelecer contato com meu corpo a partir de uma
ideal de feminino e de como um corpo de
mulher deveria funcionar. E hoje sei que ideias são fruto de uma exatidão
mental, mas que a vida e a natureza não são exatas."
Ali, eu abandonei a frustração de não ter um corpo ideal e dentro de um
ciclo ideal.
Ali eu admiti que meu corpo realmente sabe mais do que minha mente, e que tem
muito para me mostrar. Ali eu soube que ele é como deve ser para que eu possa
acessar o que é necessário acessar em minha jornada e de mais ninguém. Soube o
quanto é inútil ficarmos à disposição dos ideais, mesmo que eles sejam lindos e
cheios de poesia. Se eles não eram a minha realidade, então eu deveria
abandoná-los.
Abandonei naquela montanha o conceito
de ciclo lunar feminino ideal tal qual eu havia lido e aprendido. Entendi que o
ciclo acontecia em mim e na maioria das mulheres de modo singular. O meu ciclo
lunar era oculto, profundo e precisava que eu me aprofundasse em mim para vivê-lo,
fosse como fosse; para poder acessar a minha singularidade e o saber o
que só a mim a vida estava reservando.
Naquele
dia me assustei por assimilar que até então eu havia vivido um ideal, mas
estava muito, muito feliz e leve por poder acreditar e seguir meu corpo mesmo
com sua irregularidade.
E então compreendi como nossa maneira mental de viver está aquém do corpo.
Mesmo nos propondo nos experimentar, criamos expectativas de como temos que
experimentar e sobre o que tem que ocorrer nessa experimentação!
Se formos pra experimentação real e se
observarmos ao nosso redor perceberemos a irregularidade da vida, as luas fora
de curso, as estações que adiantam e atrasam porque o ritmo delas nem cabe no nosso
conceito de datas, a terra que sofre todo tipo de abusos e que, para
sobreviver, promove cheias e secas, enfim, irregularidades que reverberam em
nossos ciclos pois nossa vida está conectada a vida do planeta
Paradoxalmente, só quando abandonei o ideal
de ciclo lunar este realizou-se em mim!
Depois daquele episódio meu sangue não
verteu no mês, mas sabia que ele estava por vir porque havia entendido a lição.
Quando verteu, eu o recebi como a bebida revitalizante dos deuses, e, desde
então, o sangue flui como e quando pode, não julgo mais o que é melhor e não
idealizo o que deveria ser... Muitas vezes ele chega todos os meses, mas outras
vezes não. E tudo bem com isso, entro em contato aceito e sei que aprenderei
algo diferente a cada situação.
Tenho vivido os presentes da " irregularidade" a cada momento como
uma singela expectadora que nada sabe. E já algum tempo, depois desse episódio,
meu corpo vem me guiando e me
ensinando a ver meus sistemas de fluxos energéticos sutis...
Explico: desde então sinto que posso fechar os
olhos e perceber uma espécie de diferentes trajetos/teias sutis de energia que
fluem entre orgãos em si e as forças vibracionais da natureza!
Assim realizo hoje uma série de visualizações sutis no meu corpo que me permite
fortalecer e irrigar diferentes forças vitais para órgãos que podem estar
necessitados, (como se fosse uma medicina sutil criada ou captada por meu
próprio corpo)
Tenho oferecido essas "visualizações medicinais" em meus trabalhos e
descobri que cada mulher tem tráfegos diferentes, próprios, e que cada uma tem a
mesma possibilidade/capacidade, de com prática, descobrir suas próprias teias e
conexões sutis!
Que cada mulher SEJA o seu próprio corpo, que
cada ciclo seja percebido e honrado como se apresenta, que cada mistério seja
aceito e que cada mulher realmente compreenda o sentido de honrar seu ritmo,
seu ciclo único de lições únicas e pessoais.
Texto: Dúnia La Luna
Revisão: Deborah Paula Souza
Texto: Dúnia La Luna
Revisão: Deborah Paula Souza